quarta-feira, 15 de junho de 2016

O encontro no parque

Aquele encontro marcado para meio dia, um trânsito dos diabos, e o chocolate derretia dentro da caixa devido ao calor. As buzinas soavam e lá ao longe dava pra distinguir o apito do agente de trânsito. Aqueles vendedores no meio dos carros, adesivos e mais adesivos, com mensagens bregas, o ócio involuntário dentro do carro. Esqueceu até a pressa.

Uma leve dor de cabeça, na têmpora esquerda. Arruma o terço pendurado no retrovisor, dá uma olhada no carro ao lado, pessoas igualmente irritadas. Um casal e uma criança. Um carro popular da cor verde escuro, com um amassado na lateral. Provavelmente iam passear, ele pensa. Aquela família queria sossego, mas estava ali, pagando o preço que uma grande cidade pede.

Pensou em sua namorada. Pressa! Esse sinal que não fica verde, pensou. Os bombons estão derretendo, e ele ainda não havia comprado o urso de pelúcia com a frase personalizada que ele havia encomendado no shopping. Angústia. Ela deve estar chegando lá, e cada minuto que passa ele imagina o rosto de ira dela. Diabo de cidade, engarrafamento em pleno sábado!

Sinal verde!

Os carros iam como se engatinhando, afunilando da avenida até o acesso ao shopping. A hora já havia passado. Meio dia e quarenta. Ele vai morrer se não chegar em vinte minutos. Está com aquela esperança tola por achar que vai entrar com o carro no shopping, arrumar uma vaga, descer do carro, seguir até a loja, o maldito urso já vai estar na prateleira e embrulhado segundo suas especificações, ele vai pagar pelo urso, sair da loja, entrar no carro, sair do shopping, dirigir por 6 quilômetros, estacionar o carro no parque, encontrar a namorada a tempo de "arrumar a surpresa" e, finalmente, dar os presentes logo que é pra ela não reclamar.

Uma hora e vinte e oito. Seu namoro acabou! Ele estava a um pouco mais de 3 quilômetros do parque, e o calor já havia feito ele suar a camisa branca inteira. Ele balança levemente a caixa de bombons, um barulho seco. O chocolate agora deve ser uma barra só, pensa ele. Mesmo assim ele dirige com cuidado, sem acelerar muito. Desejava ter saído mais cedo, mas o cachorro sujou o pátio de sua casa com tanto lixo, ele teve que limpar. Tinha planos de economizar no dinheiro do motel e levar a namorada pra sua casa. Prático.

Ele chega ao parque. Dá uma última verificada na caixa de bombons, arruma rapidamente o maldito urso, o cartão com sua mensagem de amor. Sai do carro, tranca o carro, liga e desliga e liga novamente o alarme, caminha sorrateiro e atento procurando aquela mulher de cabelos negros. Ele não sabe como ela está vestida. Muitas pessoas no parque naquele dia. Ele procura nos lugares mais vazios, ela pode ter ido pra lá, afim de privacidade. Nada. Procura embaixo das árvores, onde já estão outros casais. Nada. Na parte mais afastada após o laguinho, onde ficam os fumantes. Nada. Aquela angústia. Ela se foi. Tudo acabou! Ele falhou! Rodou e rodou o parque. Tristeza. Abatimento. O urso sorria dentro daquele embrulho transparente com corações. Ele vai até a beira do lago, respira fundo e liga pra ela.

- Me perdoa amor, cheguei só agora por causa do trânsito! O que eu posso fazer pra compensar esse atraso gigantesco? Me perdoa, meu amor? - diz ele, desesperado.

- Amor, estou no ônibus, não posso falar, posso ser assaltada. Estou indo ao parque ainda. Quem se atrasou fui eu! Me desculpa. Passei pelo mesmo engarrafamento que você. Me espera, tá? Te amo!

Ele fica atônito, e seus músculos relaxam. Põe o celular no bolso, dá uma olhada no urso, e sorri. Ele senta próximo do laguinho. Em sua frente está, feliz, a família de três pessoas do carro popular verde. Ele ri. Fica em paz.

Cheers!

De Loé-Yoru

Ghan amava Loé, e um dia Seron matou Ghan e fez de Loé uma escrava. Um mercador chamado Faroé passava pelas terras de Seron e encontrou Loé e se apaixonou por sua beleza. Faroé vendia para o líder da tribo, e resolveu pagar a ele pela liberdade de Loé. 

O líder ordenou a liberdade de Loé, mas Seron não obedeceu, e a acorrentou no fundo de uma caverna, com somente um vaso com grãos e um pote com água, despiu as roupas dela e as jogou num rio longe dali. Seron foi morto pelo líder, sem dizer onde havia acorrentado Loé. Faroé então passou a procurar por Loé por dias, até achar suas roupas no rio.

Achando que Loé havia morrido, Faroé desistiu das buscas e foi embora daquelas terras. No fundo da caverna, Loé já perdia as forças, e já havia desistido de gritar por socorro. Ela lembrava de Ghan, e de seu amor por ele, e de sua tribo. Sua tristeza foi silenciando cada vez mais seu coração, e sua esperança foi morrendo com ela.

Então, sem alimento e água, prestes a dar seu último suspiro, Loé viu uma luz crescente vir do fundo da caverna. Braços de luz levantaram sua cabeça, e ela sentiu um sopro de vida que a reanimou. A corrente se partiu com um estalo, e logo ela se via de pé.

Loé então perguntou - quem és? - mas os braços recolheram e sumiram, junto com a luz. Ela tremeu com o súbito frio que sentiu, e logo começou a escalar a caverna. Sua força voltara como nos dias mais felizes, e seu cabelo não estava sujo. Ela olhou para a saída da caverna e sorriu. A luz da lua banhou seu corpo nu.

Um ancião que colhia cogumelos encontrou Loé num caminho à beira de um morro, e a acolheu. Loé não falava nada, só sorria, e o ancião, após muito tentar saber sobre ela, deu-lhe um nome de Yoru, que era o nome de sua filha falecida. Alguns dias se passaram e Loé conviveu com o ancião, sorridente, ajudando na casa, como uma boa filha.

Mas um dia Loé parou de sorrir, e o ancião, que voltava da mata com uma pequena lebre para o jantar, viu pela primeira vez aquela bela mulher falar.

- Obrigado por tudo que fizeste a mim, ancião! Fui muito bem tratada enquanto estive com você aqui, e em honra de sua confiança e compaixão, adotarei o nome que me deste! Mas que infelicidade a minha não saber do vosso nome!

- Meu nome é Er-Danzu, o mais velho dos meus irmãos. E você não precisa me agradecer, eu vi você num sonho! E pouco antes de encontrá-la, uma mulher me apontou onde você estava, mas nada falou! Quando vi que você também não falava, segui meu sonho! Agora eu tenho Yoru de volta! - alegrou-se o ancião.

- Que mulher lhe apontou onde eu estava? - questionou Yoru.

- Uma mulher baixa, escura, de olhos estreitos, com uma vasta cabeleira até os joelhos, nua e envolta de limo, de onde brotavam pequenas flores, e alguns cogumelos, que eu procurava para fazer o chá que ia te curar, como no sonho. Nunca vi cogumelos como aqueles aqui nessas matas, mas aquele era sim o cogumelo que eu procurava. Para o chá, como no sonho. - disse o ancião.

Assim, com esse mistério a descobrir, Yoru despediu-se do ancião.

- Que os Imortais te protejam e te recebam nos Douros, Er-Danzu!

Mas o ancião lhe deu mais um mistério.

- Yoru, eu sei que você vai embora. Eu vi no sonho! Mas devo te dizer que seu coração está dividido. Seu amor por seu marido, ou vingar-se do homem que matou seu marido e te fez escrava. Assim como vi no sonho, te direi, escolha bem seu caminho. Muitos perigos estão lá fora para você. Descer ou subir, queimar ou mergulhar, amar ou vingar. Eu a quero bem, minha Yoru. Mas sei que vai ser tudo como no sonho. - falou o ancião, triste.

Assim Yoru foi embora da casa do ancião. Seu coração ainda estava relutante de qual caminho seguir. Voltar pra sua tribo, tão distante, ou vagar pelas terras ermas. Muitos planos e poucas certezas.

Assim começou a grande tragédia de Loé-Yoru, que viria se tornar a lenda mais famosa a se contar para assustar as crianças vários séculos depois. A história da mulher que foi dos Pósuos aos Douros, inspirando gerações de aventureiros de Solari.

terça-feira, 14 de junho de 2016

De G'jia e Annon

G'jia estava completando seu primeiro milênio em Tardessa e seu pai, Oong'dulu já pedia um neto. Após tanto tempo sua filha não havia se interessado por nenhum tardessiano, e seus longos vinte e oito mil anos assustavam, pois estava velho e cansado daquele mundo.

Um dia, diante as praias de Oulata, em Rúnu, G'jia passeava com seu secto real quando uma delas encontrou uma rocha de um amarelo brilhante. G'jia recebeu a rocha em suas mãos e logo uma euforia correu seu corpo, e suas pernas ficaram moles, seus lábios ficaram secos e sua pupila se dilatou. Ela sorriu. Seu secto achou que era algo ruim, e tentou tirar a rocha das mãos da princesa, mas ela se recusou, e correu para dentro do mar.

As águas do mar pareciam línguas de fogo, que não queimavam nem feriam, e G'jia percebeu que aquela sensação era muito boa, carnal, e vinha da rocha brilhante. Seu secto por vezes tentou dissuadir a princesa a sair do mar, mas ela estava num transe consciente, experimentando sensações que ela nunca havia sentido. O vento em seu cabelo lhe causava um furor, e seu corpo tremia. A espuma das ondas lhe faziam rir.

Então, como se estivesse saindo de um sonho, ela quietou e caminhou para fora do mar. O secto, alarmado, a seguiu, de longe, como ela logo ordenou. G'jia caminhou muitas milhas, e seu secto ainda preocupado, já havia mandado emissários avisar ao rei e aos guardas reais. Ela caminhou até uma encosta onde havia uma grande rocha, semelhante a uma cadeira. Subiu sem esforços e ali ela depositou a rocha, assentada na rocha.

Um grande ruído de trovão e uma língua de fogo e água subiram, e G'jia se viu envolta numa nuvem de vapor, mas sua pele não queimava nem feria. O secto e os guardas reais lá ao longe se assustaram, mas não conseguiam se aproximar por causa do grande calor. G'jia levantou-se e abriu os braços como se fosse abraçar alguém. Então, como um raio que partiu o céu, Annon'bi'emac surgiu em sua frente, com seu cabelo dourado radiante. Suas roupas eram azuis com desenhos de ondas, e calçava umas botas cheias de conchas. G'jia o abraçou, falou algo em seu ouvido, e então ele falou com ela.
Eu estava preso neste mundo
Sozinho e apagando
Com o coração partido e esperando
Que você viesse!
Então G'jia mais uma vez o abraçou, e falou a ele.
Eu vim, amado!
Mas eu me sentia igualmente sozinha e apagando
Com o coração vazio e esperando
Que você viesse!
Annon'bi'emac olhou para cima, e um outro raio partiu o céu num estrondo. De lá desceu uma coroa dourada, com uma safira engastada na frente e dois topázios imperiais acima das orelhas. Ele segurou a coroa e coroou G'jia, que sorria. Ele então falou a ela.
Nós estamos presos a esse mundo
Que não é destinado para nós!
Aceita ser minha Rainha
E serei um Rei para vós!
De longe, chegando em seu cavalo, o rei Oong'dulu assistiu sua filha ser coroada, e se espantou com tamanha magia. Seu coração se encheu de ira, mas percebeu que Annon'bi'emac era um do povo dos Mentarnaeu, descendentes diretos dos deuses.

G'jia aceitou ser Rainha, e logo sua vida se alongou muito mais que a de seu pai. Oong'dulu retirou-se do trono, e em menos de duzentos anos seu neto, Ágolos, nasceu. Pouco mais que cento e oitenta anos depois, uma neta, Hésife, nasceu. O velho rei se alegrou, e muitas celebrações aconteceram por séculos. O reino estava alegre, governado por um Deus e por uma Rainha.

Oong'dulu morreu com trinta e quatro mil anos, e ao redor de seu túmulo muitas árvores nasceram, dando origem à Floresta de Détilos, conta a lenda. Ágolos assumiu o trono do reino com sua irmã Hésife quando seus pais, que nunca mais envelheceram, ascenderam e foram para a morada dos Mentarnaeu.

Esta é a origem, segundo o povo branti, dos homens que povoaram Solari, tendo em seu maior exemplo Martim, o Senhor dos Homens, Pai dos Homens, Orador dos Homens, Defensor dos Homens Menores.