domingo, 30 de abril de 2017

Computando Dados: Yor


Computando os dados. Yor estava sentada na calçada em frente a sua casa, vestindo aquele moletom velho e puído, um sorriso estranho no rosto que encarava quem passava. Ela esperava o entregador de jornal, ávida pelas notícias do plantão policial. Amava a tragédia e a imperfeição com que os crimes eram tão evidentemente elucidados pela polícia. Apesar disso ela tinha uma queda pelos bandidos, e muito frequente “torcia” para que algum criminoso em fuga não fosse capturado ou que um crime sem solução permanecesse sem solução. Ela guardava as matérias num fichário, a maioria com notas e até alguns desenhos, e as “mais interessantes” ficavam num arquivo de três gavetas, organizadas por data, jornal ou nome do criminoso. Ela nunca organizava por crime. Acreditava que crime é crime, tanto faz se é um sequestro ou um furto.

A mãe de Yor, Jezebel, acredita que sua filha será uma importante investigadora no futuro, e até apoia o hobby da filha. O pai de Yor é um contador de nome Zacarias. Nunca prestou atenção em como a filha gastava seu tempo livre, mas já estava até acostumado em ser o segundo a ler os jornais. Yor possui um irmão, Orven, quatro anos mais novo que ela, e seu principal ouvinte e companheiro.

Computando os dados. Yor estava na casa de sua amiga e vizinha Gir, falando de garotos, e folheando essas revistas adolescentes. Gir estava servindo de cupido, e havia convidado Leto, um rapaz da sua igreja, para sua casa. Yor havia pedido o encontro, que não poderia acontecer na sua casa por conta da pentelhice de Orven e, claro, porque não poderia ficar a sós com um rapaz em seu quarto. Tudo dependia dos pais de Gir chegarem no mesmo horário de sempre e não acabarem com o encontro. Yor estava sem calcinha e vestindo uma camisa de hóquei, e calculara cada segundo de seu encontro com Leto. As duas combinavam detalhes quando a campainha soou.

Um rapaz educado, de fala macia, com grandes olhos castanhos. Leto trouxe duas pizzas, provavelmente por não saber do encontro às escuras que Gir promoveu, e por achar que seria somente uma tarde de lanche e filme. Ficou um pouco desconfortável quando soube que os pais de Gir não estavam em casa, e mais ainda constrangido quando as duas o convidaram para subir para o quarto. Inventou uma pequena tosse e perguntou pelo banheiro. Lá dentro ele manda uma mensagem para um amigo: “ESTOU NUM QUARTO COM DUAS GAROTAS!! UMA DELAS FEZ QUESTÃO DE MOSTRAR QUE ESTÁ SEM CALCINHA!!! FODA NÃO TER TRAZIDO CAMISINHA!!! DEPOIS MANDO FOTOS”. A mensagem foi enviada e visualizada. Em segundos a resposta: “Para de bater punheta, porra! Quero foto nenhuma não!”.

Computando os dados. Yor está no shopping afim de comprar um edredom de presente para seu irmão. Os preços estão muito elevados. Na sua mente ela pensa “poderia roubar facilmente pela área de descarga de produtos”, mas daí ela lembra que em todo lugar existem câmeras de segurança. Isso a deixa aliviada porque ela se preocupa de não deixar esses pensamentos criminosos crescerem dentro dela. Mesmo assim ela tem uma sensação de que pensar assim é algo natural, e que ela não está sozinha. Então ela escolhe o edredom, leva até o caixa e efetua o pagamento, vendo ir embora boa parte de sua mesada. Nada mal, Orven merece.

Na festa do aniversário de Orven o bolo era no tema de um filme de ação onde homens falam com carros que se transformam em robôs. Gir e Leto vieram, e trouxeram presentes. Yor foi bem cerimonial com Leto e tratou de se isolar em seu quarto, em meio aos seus arquivos. Jezebel estava radiante num vestido amarelo e seu marido Zacarias era o pai mais desastrado da face da terra. O pobre pai havia quebrado a vidraça da janela pondo uma escada afim de colar os balões da festa, deixado o frango muito além do tempo no forno, deixando a casa com aquele odor de carne queimada e, sem querer, quebrado um dos presentes de Orven. Mesmo assim ele ria e contava piadas aleatórias para os convidados. No final da tarde todos foram embora e sobrara mais de dois terços do bolo, e muitos salgadinhos. Orven agradeceu.