segunda-feira, 14 de maio de 2018

Relato de Granatur à Rainha Tulrissa

Relato de Granatur à Rainha Tulrissa, sobre a tentativa de resgate mau sucedido da princesa Túla, em nLótis, durante a Guerra dos Marodeus.

"Primeiro mataram Jakkar, da tribo dos mehías. Nos agrupamos próximos da floresta, e até o final daquele dia não fomos importunados. No segundo dia vimos uma movimentação muito grande, mas já estávamos em guarda. Mal pudemos descer a colina, e um furacão com raios e trovões surgiu, e levou alguns de nossos cavalos, e muitos guerreiros em armaduras leves. Era obra dos arcanos, com toda certeza. Sequer vimos nossos inimigos. Nesse ataque morreram Thrád e Ílag, dois elemitas que vieram voluntários, além de Bonossur, e Zarende e Mlowodur, da casa Real. A partir daí planejamos um ataque pela madrugada.

Com a noite nublada, nós seguimos em direção da cidade sitiada. Andamos algumas milhas, mas nossos batedores logo voltaram. Havia um pesado pântano ao redor da muralha da cidade, criado pelo desvio do rio Két. Não havia como nossos cavalos seguirem, a não ser que nós voltássemos para o caminho do sul, que era perigoso e sabíamos que estava sendo vigiado. Precisamos decidir naquele momento, Senhora, ou perderíamos a chance de ganhar a dianteira. Mas não havia outro caminho melhor além do pântano. 

Deixamos uma guarnição destacada com os cavalos, em um terreno alto, e seguimos, com batedores. Caminhamos com dificuldade pouco mais de duas milhas, quando fomos fortemente atacados. Eram bestas do pântano, e nosso clérigo nos confirmou isso. Eram cobertos de lodo e raízes, e deles brotavam muitos tentáculos, a própria água em nossa cintura exalava um fedor pútrido, que espantou alguns despreparados. Mesmo assim conseguimos vencer, a avançamos. Já não víamos o caminho, tão densa eram as nuvens, e desprovidos de tochas que ficamos. Já pensávamos em parar, para descansar, quando sofremos o segundo ataque das bestas.

Dessa vez, Senhora, eles eram maiores, quase do tamanho das próprias árvores, e eram três vezes mais em números do que os anteriores. Não havia como lutar naquelas condições, e Mulmalar, seu primo, foi morto. Nosso clérigo conseguiu deter um deles, petrificado em gelo, mas os outros o atacaram. O próprio gelo havia prendido os corpos de alguns soldados, que morreram numa só investida. Os golpes de espada nada feriam os corpos deles, as flechas eram inúteis. O filho de Jakkar, Jonedrar, foi decapitado na minha frente. Era uma batalha horrível, Senhora. E quando começávamos a debandar, a meu comando, eles atacaram nosso clérigo. Simislaus morreu em batalha, Senhora. Ele gritou évoras poderosas antes de perecer. Então nós fugimos, voltando por onde viemos.

Tivemos uma grande dificuldade na volta, porque haviam soldados perdidos no pântano. Perambulamos por muito tempo, até que percebemos que já irradiava o dia. Os poucos soldados que ainda estavam comigo pediam, desesperados, para que parássemos, mas algo me alertava que estávamos a pouco distantes de nossos inimigos, e ordenei que continuássemos. Com muito esforço conseguimos chegar nas bordas do pântano, a muito distante de onde deixamos o destacamento com os cavalos, mas ali eu cedi ao pedido dos meus soldados, Senhora, e descansamos um bocado, e pude ver o estado dos feridos, além de sinalizar com gritos para que os demais que ainda estavam perdidos pudessem nos encontrar. Eu mesmo vi meus ferimentos, e providenciei socorro aos meus.

Com grande esforço reuni os homens para voltarmos, e encontrar os cavalos, e suprimentos. Andamos algumas milhas, indo para oeste, numa curva à esquerda, mas tivemos a pior visão de todas. Todos do destacamento, incluindo o bravo Oboedigar, estavam mortos, suas vísceras expostas e seus corpos pendurados em árvores que, minha Senhora, não estavam lá quando partimos, e que tinham um aspecto profano. Alguns cavalos também estavam mortos, com as vísceras também expostas, e nenhum suprimento a vista. Aquilo mortificou os homens, Senhora, e o desespero nas vozes deles é algo que eu dificilmente vou esquecer. Foi um duro golpe, e o ânimo nos abandonara. Mesmo assim eu conseguia ver olhos cruéis nos observando embaixo das árvores do pântano. Eu providenciei que os homens saíssem dali, da frente daquela visão horrível. Sentamos no alto, sem esperança, minha Senhora, e a morte já nos era certa se os inimigos nos emboscassem.

Mas, num vislumbre de que os deosos estavam nos observando, surgiu um cavaleiro, e ele trazia, amarrados e em fila, quatro de nossos cavalos. Aquilo nos alegrou, Senhora, mas todos estranharam quando o próprio cavaleiro se aproximou. Pois ele era um do povo dos elfos, minha Senhora, e se aproximou lentamente, com um compreensível cuidado. Parou próximo, em silêncio, e ofereceu a corda que guiava nossos cavalos. Os homens estavam petrificados, então eu mesmo fui lá buscar a corda. Eu vi o elfo de perto, minha Senhora, de muito perto, e fiquei próximo do estribo de seu alto cavalo. Ele era branco, de um rosto fino, e cabelo dourado, e se vestia como um príncipe. Ele olhou para os homens, e eu pude ver compaixão no rosto dele. Quando eu já ia me afastar, ele elevou a mão, e debaixo de sua veste eu pude ver a bainha de uma espada. Me assustei, mas ele não reagiu com violência. Virou-se e apanhou uma bela algibeira, e de lá ele retirou ervas de reconhecido poder de cura, tão raros quanto não se vê a flor da nazzazi, e me ofereceu, e também um pequeno pote selado, e fez um sinal de "beber".

Eu titubeei, minha Senhora, por alguns segundos, mas não vi qualquer ameaça. Ele olhava para os homens com uma distinta compaixão, até que alguns homens se sentiram seguros de chegar perto, e buscaram as ervas, e o pote. Ele esteve em silêncio o tempo todo. Então, quando já usávamos as ervas nos feridos, ele me fez um sinal, e cavalgou até a árvore onde estavam os corpos dos nossos guerreiros. Alguns dos nossos homens se revoltaram, achando que ele ia lá escarnecer de nossa tragédia, mas não foi o que se seguiu. Ele circulou ao redor do lugar, inspecionando o solo, então voltou cavalgando até nós. Parou por um instante, com um semblante preocupado, olhou para mim e, como se lhe ocorrera um pensamento, me fez um sinal e cavalgou para longe. Naquele momento, minha Senhora, pude distinguir numa colina ao lado, oito outros elfos cavaleiros. Oito elfos em nLótis, Senhora! Eles se juntaram, e o que havia vindo até nós pareceu dar ordens, e eles rumaram para o sul, em alta velocidade."

A Rainha ordena que esse registro fique em posse do Senhor Granatur, que continua.

"As ervas foram providenciais, minha Senhora! Aqueles que sangravam, puderam ser restaurados, aqueles que mancavam puderam caminhar e aqueles que estavam amaldiçoados pelo medo puderam respirar suavemente. Algum tempo de descanso, e até o temor das bestas do pântano havia passado. Adequamos os cavalos para levar os mais feridos e seguimos de volta para a cidadela. Fomos em boa marcha, e até encontramos alguns outros soldados que estavam perdidos no pântano. Eles se admiraram da visão de elfos que tivemos, e vieram conosco, até aqui, minha Senhora.

Vinte e oito homens chegaram comigo. Dois ainda muito feridos, quatro ainda se restabelecendo e os demais estavam íntegros. Pelo menos do corpo. Nosso mau sucedido resultado será revertido, minha Senhora, mas por ora estamos sem condições adequadas. Peço que entenda, minha Senhora. Esse é meu relato."

No final daquele dia a Rainha Tulrissa enviou mensageiros para Lioteh, pedindo ajuda para o resgate. O relato de Granatur a deixou muito curiosa, e outros mensageiros foram para o norte, em posição que somente eles conheciam, com mensagem que somente eles portavam.