quarta-feira, 13 de abril de 2016

Os mortos sofrem

Um copo de vinho pra cada. Um par de velas acesas. Música ambiente, volume baixo. Talheres e guardanapos. Uma faca suja de sangue. Carne nos pratos. Olhos nos pratos. Mãos nas mãos. Um inexplicável cheiro de lodo. Muito sangue, por todo o lugar. Um garfo enfiado na nuca dela, dois golpes de faca no pescoço dele. Um cartão decorado com anjos, manchado de sangue em cima da mesa, em frente ao copo de vinho dela. Algo escrito. Letra cursiva.

Não fui o marido que você merecia, nem o melhor provedor para as necessidades que você merecia. Não fui o melhor pai, nem o melhor ouvinte nos momentos de crise. Sou esse ser humano, cheio de defeitos. Defeitos que me fizeram perder você. E eu estive sozinho por tanto tempo.
Agora você me dá essa chance. Quer me ouvir. Se soubesse como foi bom ouvir sua voz no telefone, propondo esse jantar. Meu coração está feliz, e estou disposto a ouvir. Estou disposto a mudar. Por você, pelas crianças, pela nossa família.
Esse cartão eu deixo para você. Se está lendo até aqui é porque tudo nesse jantar ocorreu bem, e estamos bem. Aceite me ver mais vezes. Prometo me tornar o homem que você merece ter. Ainda amo você!

Hugo

Provavelmente um jantar de reconciliação. O nome dele é Hugo, e esta é a casa dela. Os cães mortos ali fora são delas, então. A cozinha revirada, ali houve luta corporal. Eles não foram mortos à mesa. Foram postos aqui. O sangue por todo lado não é deles. Mais alguém morreu aqui, mas onde está o corpo. Alguém morreu e ninguém percebeu. "Enquanto os vivos celebram, os mortos sofrem". Uma ideia errada. Talvez. A única ideia que pode explicar essas mortes. Talvez. Mas, na mesinha ao lado do sofá, uma pista. Um porta retrato. Ela e um homem, branco, baixo e de terno, e ela de vestido azul. Quem será?

Cheers!

segunda-feira, 11 de abril de 2016

A Paciente

A coruja está observando a águia. Na noite sem lua esses olhos são o mau agouro dos viajantes, e nem os animais se atrevem a sair de suas tocas, de seus ninhos. A águia está tranquila. Ela sabe que é observada. E em noites seguidas essas duas caçadoras se esquivam, evitando olhares mais soturnos. E os animais estão tensos, medrosos.

O lobo observa a ovelha. Em dias de chuva não há proteção, nunca se sabe o momento de um ataque. O lobo se aproxima da cerca, fareja, mas volta para a floresta. Ele está cansado. quer desistir. As ovelhas percebem seu desânimo, e se distanciam mais. O sol está nascendo no leste.

Cheers!