terça-feira, 27 de março de 2018

De Shara e Gortag

Quando Maenor completou 8 anos, Mokin contou os desafios que a avó dele, Shara, havia superado. Uma das histórias que Maenor mais gostava era essa.

"Gortag havia procurado Shara em Sépia, pedindo ajuda, ciente dos profundos conhecimentos dela. Ele havia tentado matar toda sua família num acesso de fúria, e por causa disso, seu pai enviou mercenários para o matar. Exilado no deserto de Banideshir, Gortag encontrou uma tribo nômade que viu nele a marca de um amaldiçoado. Com profundo remorso pelos seus erros, ele foi atrás de Shara.

Na casa de Shara havia um amuleto muito antigo, que ela dizia pertencer a um renomado clérigo ermitão, e que aquele item era muito poderoso. Ela diz a Gortag que ele usasse o amuleto por 40 dias, e ao fim desse período, voltasse até ela. Gortag pôs o amuleto, e sentiu um pequeno desconforto, seguido de uma sensação boa. E foi embora.

Quando os 40 dias se passaram, Gortag voltou até Shara, conforme ela havia lhe ordenado. Ela perguntou a ele se alguma vontade de praticar o mal ainda estava dentro dele. Gortag respondeu que nunca havia se sentido tão bem, e em paz. Então Shara pegou seu Aielon, purificou um pote com água e ofereceu a Gortag, pedindo que ele retirasse o amuleto.

No instante em que ele tomou um único gole da água, um aerialinita monstruoso surgiu como uma sombra atrás de Gortag, com chifres e espinhos por todo seu corpo, produzindo um som muito alto, lançando maldições. Shara rapidamente fez diversos sinais com as mãos, e invocou palavras mágicas desconhecidas, e o aerialinita estremeceu. Num estrondo maior ainda a besta se elevou, e toda a vila pôde vê-lo, e grandes nuvens maciças e escuras surgiram acima deles.

Por muitas horas eles permaneceram naquele embate. Magia e contra magia. O terror negro e cinza, contra um resplendor branco e amarelo. Shara realizava muitos sinais com as mãos, e por vezes procurava em seu daereon ingredientes e ali mesmo manipulava poções. Com seu Aielon ela irradiava luzes pulsantes, e as vezes essas magias acalmavam o povo da vila, que mesmo aterrorizado com o gigante aerialinita, só assistia ao embate.

Então, no avançado das horas, num dado momento a besta recebeu um grande golpe, e tombou. Shara estava exaurindo suas forças quando o gigante, abandonando o corpo de Gortag, materializou-se na frente dela. Elevou-se mais uma vez a besta, certa de sua vitória, em frente a sua idosa adversária. Num movimento brutal, ele golpeou Shara como quem esmaga uma formiga, mas tudo que se ouviu foi um estrondo, seguido de um tilintar. Shara havia elevado o amuleto em sua mão, que suportou o golpe, e se partiu em muitos pedaços.

Com um grito aterrorizador a besta se contorceu. Seu corpo se encheu de fissuras, que foram crescendo, e logo haviam rachaduras. O aerialinita estava se partindo, e sua agonia lhe fez tombar por completo. Shara, então, com um último movimento das mãos, erradicou em luz o odioso corpo da besta, restaurando o céu. Uma fina chuva fria caiu. E, abaixo de onde estava a besta, o corpo de Gortag se encontrava, com alguns ferimentos.

Restabelecidos em casas de cura, Shara e Gortag voltaram a se encontrar. Ele estava profundamente agradecido, e enormemente impressionado com o poder daquela mulher. Prometeu riqueza e fama, algo que ela sempre negava. Por fim, Gortag quis saber como ela, uma mulher idosa, havia resistido e derrotado, sozinha, um aerialinita. Ela só lhe explicou que havia preparado o amuleto como um receptáculo, daí então durante os 40 dias a Essência da besta havia ficado ligada ao amuleto. Mesmo assim ela precisava que a besta abandonasse o corpo de Gortag para destrui-la. O fato do gigante ter dado o golpe que quebrou o amuleto ela atribuiu a sorte.

Gortag então pôde voltar para sua família, curado de sua maldição. E a história de Shara foi contada por muitos povos, e seus feitos foram continuados por seu filho Mokin, em Sépia."