quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A Memória Desvalida

Angela estava desesperada. Corria, tropeçava e corria. Não ousava olhar para trás. Ela não era daquelas pessoas que paralisam quando estão com medo. Angela só conseguia correr, sem raciocinar um caminho. Ela tinha que se esconder de seu perseguidor, que tambem corria, em sua direção. Qualquer lugar para se esconder seria o suficiente. Então ela viu um beco.

Era um lugar úmido, havia muita lama e um cheiro de gordura no ar. Logo a frente ela viu caixas e engradados de bebidas. Correu para trás das caixas e se abaixou o melhor possível, sujando o blazer e a bolsa. O perseguidor parou bem em frente a entrada do beco, arfando. Olhou para o beco, desconfiado, e resolveu entrar. O coração de Angela deu um sobressalto, ele estava muito próximo. Ele iria encontrá-la.

Do fim do beco uma voz. Um homem com uniforme de garçom, ainda com um saco preto nas mãos.

- Ei você! O que quer com a moça?

O perseguidor, mais do que rápido, voltou-se e correu para fora do beco, chiando um pouquinho. Angela então respirou fundo, e lágrimas surgiram inesperadamente. Seu coração sobressaltado parece ter parado por segundos. Ela levantou-se devagar, agora olhando aliviada para o homem de uniforme de garçom.

- O-o-obrigada! Meu Deus, eu achei que ia ser morta!

- Você está bem? - perguntou o garçom.

- Estou. Quase morrendo, mas salva.

Angela tomou coragem para ir embora. O garçom lhe trouxe um copo com água. Alguns funcionários do restaurante saíram pra ver Angela. Mais de três vezes ela teve que contar o ocorrido para os funcionários, e para o gerente do restaurante, que já havia ligado para a polícia.

Em casa, Angela pensava no quanto ela queria esquecer aquela perseguição horrível e do trauma de andar sozinha pela noite daquela cidade. A polícia havia dito que ia investigar quem seria o perseguidor. Centenas de perguntas.

Angela morreu num domingo, enquanto andava de bicicleta, vindo de um encontro com seus amigos músicos. Ela foi atropelada por uma cidadã que estava alcoolizada e brigava com seu namorado pelo telefone na hora do ocorrido. Angela não resistiu aos ferimentos, e a cidadã conseguiu um habeas corpus no dia seguinte.

Não se sabe nada do perseguidor. A polícia jamais descobriu. Até hoje o garçom ainda se sente feliz só de pensar que salvou a vida de uma desconhecida. O beco recebeu iluminação e uma câmera de segurança foi instalada acima da porta dos fundos, em direção a entrada do beco. E até hoje os amigos músicos de Angela ainda depositam flores em seu túmulo no dia do seu aniversário.

Cheers!

Nenhum comentário: