sábado, 11 de junho de 2016

É a vida!

Meu extremo mau gosto. As enrascadas que eu passo por causa do meu extremo mau gosto. Quantas vezes ficarei constrangido, ou até triste, por causa do meu extremo mau gosto. Se arrependimento matasse, eu estaria, nesse momento, numa UTI, ligado a aparelhos.

Aqueles olhares, aquelas pessoas cochichando enquanto eu passava, a vergonha que Denise teve ao me avisar que ali, naquele momento, eu era o centro das atenções, e das críticas. Eu era um pária que visitava um reino distante, o homem sem pudor no meio dos recatados. Aquela sensação na barriga, minhas pernas ficaram bambas. E o pior foi o rosto de Denise se contorcendo. Eu não era bem visto.

Tentei buscar a mão dela, mas ela evitou. Não me abandonou, mas evitou o contato físico. Era compreensível naquele momento, mas era justamente o que eu não queria: ficar sem o toque das mãos dela. Eu rapidamente encontrei dezenas de lugares onde fixar o olhar, como se fugindo dos olhares das pessoas, que agora quase cercavam o "casal estranho". Acho que vi duas ou três pessoas discretamente fotografando ou filmando com seus celulares aquela cena incrível e vergonhosa. Denise parecia muito abatida.

Lentamente caminhamos, ainda sem rumo, torpes pela extrema atenção que nos davam aquele povo. Eu tentei dizer algo, e antes que eu terminasse de balbuciar ela respondeu com um "aham", balançando a cabeça assertivamente. Eu percebi que Denise não conversaria comigo. Não ali. Então busquei com os olhos um lugar onde pudéssemos ficar sem aquelas pessoas nos olhando. Encontrei uma pastelaria. Fomos para lá.

Acho que o dono daquela pastelaria nunca havia vendido tantos pastéis em menos de 10 minutos. As pessoas nos acompanharam, parecíamos magnetos atraindo metal, e agora Denise estava realmente acuada. Eu pensei em reagir, gritar com aquelas pessoas, mas só a assustaria mais. Eu havia comprado um pastel pra mim, e outro pra ela, um refrigerante pra mim e um caldo de cana pra ela. Mas o pastel estava amargo com tantos olhares, tantos flashes. Então resolvi mudar tudo aquilo novamente.

Particularmente meu extremo mau gosto é fruto de anos de prática. Posso ser o último homem no mundo a ter tantas excentricidades, sou um raro espécime dos "bastardos", o evitável estranho. Mas Denise é uma bela mulher, com um belo sorriso e belas ideias. Temo o dia que eu a perder. Me encontraria, finalmente, no inferno de onde as pessoas acham que saí. E tudo deixaria de fazer sentido. Eu seria mesmo o estranho no ninho, finalmente.

Então, num belo dia, uma parada cardíaca me levou. E o mundo perdeu um pouco da sua estranheza. Estou numa cama de hospital a 6 anos, e escrevo isso com uma caneta especial em um tablet, pois tive um derrame em seguida, quando tentavam salvar minha vida. Não falo, minha paisagem é uma avenida em frente ao hospital, e, num dia longo, as fisioterapias me deixam cansado. A Denise me visitou umas sete vezes, mas já se vão quase 4 anos que ela não vem. Deve ter me esquecido. Ou tido uma parada cardíaca. É a vida!

Vou morrer sem ela. Finalmente.

Cheers!