sábado, 9 de janeiro de 2016

Requiem à uma amizade

Aquela discussão dentro do táxi. Todo aquele ódio, aquela ira. João rugia, e Bela tentava de todas as formas o acalmar. O taxista corria, afim de se livrar do casal barulhento. Já havia testemunhado muitas discussões, mas nada tão raivoso. As curvas bruscas, o cheiro de cigarro na mão esquerda de Bela, o hálito de bebida e a saliva que saltavam da boca de João, tudo aquilo parecia urgente ao pobre taxista. Um homem de 55 anos, doze de profissão.

O bar era decorado com um bom gosto que Bela logo se sentiu à vontade. Aquela iluminação vermelho sangue dava exatamente o clima romântico que ela tanto ansiava. Mas João não deu a menor atenção à decoração. Estava ansioso pelo reencontro com seu amigo Eduardo. Quase sete anos sem se encontrar, tomar uns goles, falar das conquistas, e das perdas. João sentia o tempo passar como se um minuto durassem horas. Então seu amigo chegou.

Bela havia aprontado uma janta um tanto quanto comum pra um dia tão importante. Cinco anos de um relacionamento livre de rotinas, intenso e apaixonado com João. Ela queria fazer uma pequena surpresa. Vestiu por baixo da roupa comum uma lingerie de renda, escolhida uma semana antes. Passou o dia deixando a casa limpa e cheirosa. Ligou para suas amigas, e irmãs; queria evitar visitantes inesperados. E esperou João chegar da editora. Ansiedade, mãos inquietas. E então ele chegou, sorridente. E antes que ela pudesse iniciar toda a sua surpresa, uma notícia. Eduardo, um antigo amigo de João, estava de passagem pela cidade, e queria um encontro. Daqui a poucas horas. Pouco tempo pra se arrumar.

Eduardo havia mudado muito, pensava João. Aquele amigo boa praça, companheiro, inteligente e educado havia se transformado em um homem rude, machista, cafajeste e muito mal educado. Insistia em chamar João somente pelo apelido jocoso da adolescência. Reclamou da bebida e do tira gosto. Falava mal da esposa, da sogra, dos cunhados e da própria mãe. Xingou seu chefe tantas vezes que chamou a atenção das mesas ao redor. Bela estava extremamente constrangida. João tentava, desesperadamente, manter a calma, e constantemente mudava o rumo dos assuntos, mas Eduardo era mesmo muito bom em estragar qualquer que fosse o tema. Num único momento não-tão-grotesco de Eduardo, João recebeu um elogio pelas cartas e e-mails ao longo dos anos, o que havia mantido a amizade. Então João acalmou-se. Finalmente aquele cara rude voltava a ser seu educado amigo da adolescência. Para garantir que aquele começo seria esquecido, João desculpou-se e informou que ia até o banheiro.

Eduardo, descaradamente, chamou Bela de gostosa. Ela ficou chocada. Ele insistiu. Ela recuou. Ele jurava que já acompanhava cada foto dela das redes sociais. Ela estava horrorizada! Jogou todo o conteúdo de seu dry martini no rosto de Eduardo, aquele cafajeste. Eduardo então levantou-se, ameaçando um tapa. João chegou. Cadeiras e mesas derrubadas. Socos trocados. Muitos xingamentos. Ódio. Desgraça. Choro. Ameaças. Caos. Uma despesa ao restaurante que somente João e Bela iam pagar. Eduardo covardemente havia fugido. Tudo pago. João em ódio profundo, e sua esposa tentando palavras de mansidão. Ela chama um táxi. Discussão.

Obrigado, Pedro Valls, por anos de sua atenção e dedicação a este blog. Uma pequena homenagem, nada próximo do que você realmente merecia. Homenagem que posso estender às minhas divas Flora e Laura Valls. Vocês são dos melhores motivos deste blog ainda existir.

Cheers!