quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A vida, essa obra prima

Mircathau estava com medo de assalto. Deixou o celular em casa e foi para a faculdade. Estava cursando o quarto período de algum curso de Exatas. Ele ainda não sabia o que esperar da vida quando finalmente se formasse. Era mesmo um rapaz prudente, quase um medroso. Mas não se podia dizer que ele estava errado. Sua cidade estava um caos. Bandido em cada esquina, cada ponto de ônibus, e até dentro dos mais seguros estabelecimentos comerciais.

Sua namorada, Yre, nunca havia contado para os pais sobre suas aventuras homossexuais com sua segunda melhor amiga, Breita. Hoje ela é muito mais feliz com Mircathau. Mesmo assim ela ainda frequenta a cafeteria onde as ex-colegas de seu antigo trabalho consomem diversos expressos e pães "gourmet". E elas quase nunca falam de trabalho. Yre encontra moedas no bolso de seu jeans predileto, que ela ia por pra lavar, e fica feliz. Um dia, quem sabe, essas moedas a salvem de alguma necessidade?

Quinze minutos antes das treze horas. O alarme de Yre toca seu coração. O horário de começar a arrumar a surpresa pra Mircathau. Ingredientes para um bolo de laranja estão dispostos na mesa, bem organizados. Cortesia de sua mãe, Dona Lozália. Tudo tem que estar pronto antes das sete da noite, hora em que seu prudente namorado chega da faculdade. Uma felicidade boba lhe ocorre ao pensar na reação de Mircathau.

O professor mais egocêntrico de seu curso resolveu pensar no próximo! Sugeriu a turma que cantassem parabens para Mircathau. Nem todos cantaram, a maioria só aplaudia. Todos sorriam. E então Tanerato sugeriu um discurso. Ninguem quis falar. Esse professor estava mesmo bem diferente naquele dia. Mircathau procurava algo nos bolsos, suava frio. Tímido. Então o pedido de Tanerato ficou no vazio. Todos agradeciam em suas mentes. A aula recomeçou com quase quinze minutos de atraso.

Antes de chegar em casa, Mircathau passou no comércio de Seu Udanaiam e comprou duas garrafas de dois litros de seu refrigerante predileto. Caminhou pra sua casa sorridente. Passava com alguma dificuldade pelos muitos buracos nas ruas próximas de sua casa. Pensava em Yre. Os ingressos do cinema estavam bem guardados no bolso. "O Jardim de Scetávia" era o nome do filme, um romance adaptado de um livro não-muito-famoso.

Mas eles não assistiram filme algum. Yre não estava em casa. Um bandido havia acabado com os planos de Mircathau e, vocês sabem, com a surpresa de Yre. Uma casa decorada com balões, uma mesa cheia de docinhos e o lindo e perfumado bolo no meio, mas uma casa vazia, abandonada as pressas. Os cães ainda latiam alertas lá do quintal. Então Mircathau foi atras de saber o que houve. Procurou vizinhos. Nada importante. Eles mais queriam saber do que dar alguma informação.

Yre estava aflita. Uma pressa incomum em suas pernas fez com que Dona Lozália ficasse pra trás. Um bandido baleado estava sendo linchado numa calçada de azulejos verdes. Dentro da casa, Seu Pabrato recebia primeiros socorros emergenciais. Ele era hipertenso, e estava muito tenso. Yre rompeu o cordão de curiosos postados em frente a casa de seu avô e já chegou chamando por ele. O ancião respondeu, quase feliz. Os vizinhos dele ajudavam. A ambulância chega e a polícia tambem. O povo se dispersa um pouco.

Mircathau liga para o celular de Yre usando o aparelho de um amigo de infância que ele havia encontrado, ainda desorientado, na rua. Yre já está dentro da ambulância indo para o hospital, com seu avô. Ele chora. Ela chora.

Cerdnam, em sua infância pobre, jamais saberá como foi o aniversário de seu pai, cerca de seis anos atras. E como se deu da morte de seu bisavô, avô de sua mãe. Ele deverá ser uma criança cercada de amor, carinho e afeto. Mesmo que o mundo seja esse caos organizado. Uma criança inteligente. E um dia descobrirá a verdade! Sozinho.

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